sábado, 27 de setembro de 2014

Sobre a Poesia de Paulo Franco

Escrevi, há tempos, este texto sobre a obra O Outro Lado do Outro. Para acessá-la, clique aqui!


AS VOZES E A VOZ DE PAULO FRANCO

 “Idéias verdes incolores dormem
 furiosamente”.
Noam Chomsky

Em Do Outro Lado do Outro, sua quarta obra poética, Paulo Franco envereda-se por um caminho cujo horizonte avista-se através da busca pela evolução de sua performance.

Notas das Horas, de 1995, apresenta o aflorar de um estilo inconfundível, reproduzido também em Pétalas de Insônia, de 1999. Naqueles, o eu lírico divide-se em duas vozes: a primeira evoca um mundo injusto, selvagem e inviável, a realidade se sobrepõe à construção de seus  versos, entretanto afirma-se o caráter efêmero daquilo que se condena. O real é “ um cimento magro de um silêncio mágico”; a segunda voz possui um caráter transcendental, o eterno desajuste à condição existencial, tempo e vida se digladiam numa arena rítmica e semântica, onde os versos decepam qualquer instinto de passividade diante da existência. 

Paisagens do Olhar, de 2001, aparece com uma proposta diferenciada, as duas vozes se fundem, cessa-se, aparentemente, a batalha, mas a linguagem inusitada nos faz ter a impressão de que a qualquer momento aqueles versos irão se romper por conta da tensão de suas imagens e divagações. Mais do que nunca, a poesia de Franco nos impede de exercitar, a todo o instante, um aliviado respiro metafísico.

Nas estrofes deste Do Outro Lado do Outro ecoam os temas tão abordados por Franco nas demais obras. Ainda há “uma ideologia involuntária”, há o inconformismo com o envelhecer inerente ao tempo, há o conflito entre as relações com o que é material, mas, novamente, inova-se o carpintejar de seus versos.

Poemas como Cristaleira, O Gari, O Mar e Estação são grandes amostras desta inovação, da “busca incansável” pela forma perfeita. Esta nova forma cultiva momentos que representam uma pausa para a candura. Deixa-se de lado aquele aspecto incisivo do impacto, eficiente em revelar uma condição tão caótica em que se encontram os indivíduos. Agora, os versos são organizados como resposta a este caos e, finalmente, o lirismo de Franco é uma harmonia entre imagem, ritmo, distopia e utopia. Há até o espaço  para o riso, como se vê nas últimas estrofes de Fumaça. E qual leitor atento ao mistério do fazer a poesia não verterá uma dose de emoção qualquer após a leitura d’O Mito? 

No entanto, Franco não busca apenas o novo, nos faz também dialogar com o “velho”. É o caso do poema A Mariposa, que se apresenta como um outro ponto de vista d’O Colecionador de Coisas, do livro de 95. O eu-lírico deixa de se colocar como personagem central, o que reproduz uma leveza a qual o poema anterior não possuía. Outra explicitação desse diálogo é O Crack, de 01, reesculpido. Ele nos revela a real intenção do poeta: a síntese, a condensação, o abandono da estrofe didática, não há mais a concessão ao leitor. Este que se deixe levar ao infinito através da justaposição das imagens aqui construídas. Uma forma de combater uma sociedade onde a alienação e o automatismo são a lei vigente. Não basta o leitor estar apenas ao lado dos indivíduos, é necessário conhecer o outro lado destes, e a poesia de Franco atenta-se para isso, buscando o outro lado de sua poética antiga, pois não é suficiente apenas o seu conhecimento, o verso decorado, alienante, é preciso continuar “restaurando um outro verso/ para a mesma poesia”.

Desenha-se, então, o horizonte da poesia de Franco, que se encaminha para a pura metáfora, porém sem ser a metáfora simplesmente pura, não são traços de “metáforas involuntárias”, como ele quer que acreditemos. Todos os seus elementos estão voltados para a reorganização de tudo aquilo que se construiu, “os restos dos sentidos que ensinaram”, para nos ensinar a rever nossos olhares, aprimorá-los para que se construam outros sentidos. Entretanto, para ensinar é preciso também aprender e o aprendizado de Franco foi a necessidade de reconstrução da sua poética. Nunca foi tão necessário dizer o mesmo, mas repetir-se é ficar vagando pelos cantos escuros da História. A solução encontrada pelo poeta foi fazer de sua poesia o seu próprio movimento, sua própria ciência e este se mover, esta investigação com o intuito de encontrar a forma perfeita inefável faz do seu lirismo algo original e profundo que contrasta com uma vasta produção nacional comprometida apenas com pirotecnias e aliterações de assonâncias fugazes, incapazes de elevar o ser humano a um patamar de reflexão e insubordinação a este status quo.

A poesia deste livro liberta libertando-se das teias as quais estava presa. Desta liberdade, nasce, portanto, uma nova voz a acrescentar, às demais vozes, como diz o poeta n’O Gari, um canto que restaure o encanto de um mundo tão desencantado.



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