Escrevi, há tempos, este texto sobre a obra O Outro Lado do Outro. Para acessá-la, clique aqui!
AS VOZES E A VOZ DE PAULO FRANCO
“Idéias verdes incolores dormem
furiosamente”.
Noam Chomsky
Em Do Outro Lado do Outro, sua quarta obra poética,
Paulo Franco envereda-se por um caminho cujo horizonte avista-se através da
busca pela evolução de sua performance.
Notas das Horas, de 1995, apresenta o aflorar de um estilo
inconfundível, reproduzido também em Pétalas de Insônia, de 1999.
Naqueles, o eu lírico divide-se em duas vozes: a primeira evoca um mundo
injusto, selvagem e inviável, a realidade se sobrepõe à construção de
seus versos, entretanto afirma-se o caráter efêmero daquilo que se
condena. O real é “ um cimento magro de um silêncio mágico”; a segunda voz
possui um caráter transcendental, o eterno desajuste à condição existencial,
tempo e vida se digladiam numa arena rítmica e semântica, onde os versos
decepam qualquer instinto de passividade diante da existência.
Paisagens do Olhar, de 2001, aparece com uma proposta
diferenciada, as duas vozes se fundem, cessa-se, aparentemente, a batalha, mas
a linguagem inusitada nos faz ter a impressão de que a qualquer momento aqueles
versos irão se romper por conta da tensão de suas imagens e divagações. Mais do
que nunca, a poesia de Franco nos impede de exercitar, a todo o instante, um
aliviado respiro metafísico.
Nas estrofes deste Do Outro Lado do Outro ecoam os
temas tão abordados por Franco nas demais obras. Ainda há “uma ideologia
involuntária”, há o inconformismo com o envelhecer inerente ao tempo, há o
conflito entre as relações com o que é material, mas, novamente, inova-se o
carpintejar de seus versos.
Poemas como Cristaleira, O Gari, O Mar e Estação são
grandes amostras desta inovação, da “busca incansável” pela forma perfeita.
Esta nova forma cultiva momentos que representam uma pausa para a candura.
Deixa-se de lado aquele aspecto incisivo do impacto, eficiente em revelar uma
condição tão caótica em que se encontram os indivíduos. Agora, os versos são
organizados como resposta a este caos e, finalmente, o lirismo de Franco é uma
harmonia entre imagem, ritmo, distopia e utopia. Há até o espaço para o
riso, como se vê nas últimas estrofes de Fumaça. E qual leitor atento ao
mistério do fazer a poesia não verterá uma dose de emoção qualquer após a
leitura d’O Mito?
No entanto, Franco não busca apenas o novo, nos faz também
dialogar com o “velho”. É o caso do poema A Mariposa, que se apresenta
como um outro ponto de vista d’O Colecionador de Coisas, do livro de 95. O
eu-lírico deixa de se colocar como personagem central, o que reproduz uma
leveza a qual o poema anterior não possuía. Outra explicitação desse diálogo é O
Crack, de 01, reesculpido. Ele nos revela a real intenção do poeta: a
síntese, a condensação, o abandono da estrofe didática, não há mais a concessão
ao leitor. Este que se deixe levar ao infinito através da justaposição das
imagens aqui construídas. Uma forma de combater uma sociedade onde a alienação
e o automatismo são a lei vigente. Não basta o leitor estar apenas ao lado dos
indivíduos, é necessário conhecer o outro lado destes, e a poesia de Franco
atenta-se para isso, buscando o outro lado de sua poética antiga, pois não é
suficiente apenas o seu conhecimento, o verso decorado, alienante, é preciso
continuar “restaurando um outro verso/ para a mesma poesia”.
Desenha-se, então, o horizonte da poesia de Franco, que se
encaminha para a pura metáfora, porém sem ser a metáfora simplesmente pura, não
são traços de “metáforas involuntárias”, como ele quer que acreditemos. Todos
os seus elementos estão voltados para a reorganização de tudo aquilo que se
construiu, “os restos dos sentidos que ensinaram”, para nos ensinar a rever
nossos olhares, aprimorá-los para que se construam outros sentidos. Entretanto,
para ensinar é preciso também aprender e o aprendizado de Franco foi a
necessidade de reconstrução da sua poética. Nunca foi tão necessário dizer o
mesmo, mas repetir-se é ficar vagando pelos cantos escuros da História. A
solução encontrada pelo poeta foi fazer de sua poesia o seu próprio movimento,
sua própria ciência e este se mover, esta investigação com o intuito de
encontrar a forma perfeita inefável faz do seu lirismo algo original e profundo
que contrasta com uma vasta produção nacional comprometida apenas com
pirotecnias e aliterações de assonâncias fugazes, incapazes de elevar o ser
humano a um patamar de reflexão e insubordinação a este status quo.
A poesia deste livro liberta libertando-se das teias as
quais estava presa. Desta liberdade, nasce, portanto, uma nova voz a
acrescentar, às demais vozes, como diz o poeta n’O Gari, um canto que restaure
o encanto de um mundo tão desencantado.
Simplesmente perfeita
ResponderExcluirObrigado pelo carinho, Reinaldo. Abraços.
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