Os gregos tinham Homero como o educador da nação. Os heróis
do poeta eram exemplos para a juventude e formavam a cartilha básica para a formação do
homem grego. Se este quisesse atingir o sentido da existência, deveria ter como
parâmetro o caráter e as ações de um Aquiles,
de um Heitor, de um Ulisses. Todos tiveram seus momentos de
elevação, o momento ápice da existência, como se a soma dos segundos que viveram resultasse naquele instante decisivo em que a honra, a glória e a
eternidade foram postas em jogo.
Mas da Antiguidade Clássica apenas escutamos alguns ecos e o
ideal do homem grego soa, hoje, como algo ingênuo. Honra, glória e eternidade
são meros elementos efêmeros numa sociedade em que tudo que é sólido nem se
esfarela mais; se liquidifica e evapora rapidamente, não sobrando nada do
concreto, a não ser para as mentes nostálgicas que ainda utilizam a memória
como bússola nas trilhas caóticas de nossos tempos.
Cena clássica da Odisseia, de Homero
Robin Williams era um ator cuja imagem da persistência
otimista diante da vida, da superação diante de qualquer fatalidade, da supremacia da felicidade possível sobre a tristeza imponderável, se solidificou no imaginário popular. Mas Hollywood é
uma fábrica de fantasias e o ator de um papel só nos demonstrou que nem sempre
a vida imita a arte, que seus filmes não serviram de lição nem para ele.
Lamentamos a morte do ator, mas devemos refletir se a auto ajuda, seja na
literatura ou no cinema, é elemento viável para o combate à depressão de
nossos dias. O ator não foi covarde, nem foi uma falácia, foi um doente que
sucumbiu diante da gravidade do que tinha. Numa sociedade em que a felicidade é
obrigatória, queremos justificar de forma irracional sua morte apelando ao
idealismo juvenil de grande parte de seus filmes.
Seus personagens são eternos: a cena do professor subindo na
mesa, em Sociedade dos Poetas Mortos, e a dança na estação, em O Pescador de
Ilusões, são parte da honra, glória e eternidade das quais o ator participou,
mas aqui, fora da arte, efemeridade é a lei.
Robin Williams e a cena imortal
Tanto é assim que o assunto Robin Williams não havia sequer temperado e a
queda de um avião resultando na morte de um candidato à presidência do Brasil
foi o novo alimento para ser degustado. O espetáculo foi uma necrofagia ruminante:
o político, que se posicionava muito abaixo dos números dos outros dois
favoritos à eleição, de uma hora para outra, se tornou no homem que seria certamente
eleito, no político que salvaria o país. Honra, glória e eternidade alcançadas
mais por uma sociedade obscura que anseia por qualquer facho de luz, pela necessidade de tornar tudo espetacular, do que por ações próprias.
E a tal sociedade se deleita com um roteiro hollywwodiano
fantasioso que ela mesma produziu. A mídia criando o herói, um novo Tancredo
Neves; as pessoas nas redes sociais formulando teorias da conspiração de dar
inveja à criatividade de roteiristas consagrados; os políticos fazendo do
caixão da vítima um palanque eleitoral (desconfio que o defunto aprovaria tais atitudes).
Morto embalado, multidão à espreita e muitos celulares à
mão. Imagens, imagens, imagens incessantes. Todo um cenário, um espetáculo a
ser concretizado em pixels para compartilhar nas redes sociais. Reflexão sobre
a morte? Debates sobre os rumos do país? Respeito à dor da família? Necas, este
momento é o avesso da narrativa épica. Enquanto nesta há uma sucessão de
reviravoltas, peripécias e atitudes para que o personagem encontre o momento
ápice em que tudo o que é justo e glorioso está em jogo, a ficção real, tendo
um caixão adornado como cenário, é o instante sagrado para o indivíduo criar
sua própria história épica, cujo objetivo é um retrato que simbolize o “Eu
estava lá!”
O Selfie como espetáculo de si mesmo
O importante é fazer um selfie e se tornar um espetáculo de
si mesmo, atitude lógica de um meio social em que o narcisismo é utilizado como
cortina transparente, no objetivo de esconder o vazio moral e existencial
predominantes. Tudo em busca da honra, glória e eternidade fajutas. Até que o
próximo espetáculo se instaure e continuemos a ter assuntos e motivos para nos
deleitarmos com nós mesmos.
Não defenderei volta do ideal do homem grego, mas por mais
que tal ideal soe como sofista, é bem menos patético que a realidade absoluta
que temos hoje.
PS. A própria família do político falecido participou, em partes, de tal
narcisismo, com interesses a averiguar.
PS2: Desconfio também que este texto seja uma atitude narcisista.
Adorei, o texto pois foi justamente como você descreveu, poucos dados sobre o suicídio são mencionados pela mídia, a não ser que sejam personalidades, lembro que no dia que o Champignon se suicidou a noticia decorria sobre a morte do músico que não aguentou a ausência do amigo, outros falavam que teria sido sobre a frustração de não conseguir ter presença de palco como o Alexandre Chorão, todos queriam um motivo,enfim nesse mesmo dia em São Paulo houve três outros suicídios, e um caso foi triste demais um pai se matou por estar desempregado, envenenou a mulher e os dois filhos porque não tinha mais perspectiva de alimentar a família, o último a morrer foi o bebê de 3 meses que segundo vizinhos chorou por mais de 20 minutos e acharam estranho, mas ngm fora ver o que acontecia. O suicídio cresce alarmantemente na sociedade, nos nossos dias pois é uma dor muda, uma dor do vazio que nada que existe fisicamente consegue preencher, muitas vezes falta de um abraço, de uma palavra amiga, de paciência de ouvir o outro. É triste ver tudo isso se alastrando pelo mundo, enquanto muitos morrem sem saber dar um sentindo real a vida sem respeitar a dor de famílias, endeusando homens que muitas das vezes não queriam ser vistos assim em busca dos cincos minutos de fama através das selfies que serão esquecidas pois a vida não para nessa nossa Selva de Pedra.
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